A penhora eletrônica de dinheiro no NCPC –
1. Localização do dispositivo
A penhora de ativos financeiros localizava-se no artigo 655 do CPC de
1973 e agora situa-se no artigo 854 do NCPC. Ambos os dispositivos estão
inseridos na parte do Código destinada ao Processo de Execução e
precisamente no capitulo destinado a execução por quantia certa contra
devedor solvente.
Contudo, enquanto o artigo 655 estava inserido
na Subseção II, intitulada de da citação do devedor e indicação de bens,
artigo 854 está inserto na Subseção V que é intitulada de da Penhora de
Dinheiro em Depósito ou em Aplicação Financeira. Neste particular, é
melhor o NCPC porque o tema em tela não se refere nem a citação e nem a
indicação de bens a serem penhorados, mas, precisamente, da penhora
propriamente dita.
2. Requerimento do exequente
O
legislador perdeu excelente oportunidade de retirar a expressão a
requerimento do exequente constante do dispositivo revogado. Foi mantida
a expressão e em nosso sentir esta é uma posição de retrocesso tendo em
vista que o dinheiro é o primeiro bem na ordem preferencial da execução
por quantia (art. 835, I) e esta é a forma típica de se proceder a
penhora de ativos financeiros do executado, já que a instituição
financeira é o local onde se depositam os referidos valores. É preciso
que o legislador enxergue a atividade executiva como atividade pública
onde o Estado tem o dever de outorgar a tutela em favor do exequente.
Tendo sido provocado a satisfazer a norma jurídica concreta revelada no
título executivo, é dever do Estado prestar a tutela jurisdicional.
3. Sem dar ciência previa do ato ao executado
Esta foi uma inovação importantíssima que não constava no texto do
artigo 655 do CPC de 1973. Agora, diz o artigo 854 que o ato de
apreensão online dos ativos financeiros serão realizados sem a ciência
prévia do executado. Assim, antes mesmo de proceder a citação do
executado (no processo de execução) ou a sua intimação (no cumprimento
de sentença) proceder-se-á a realização do ato de apreensão dos ativos
financeiros pela forma descrita no dispositivo. A inovação é importante
pois normalmente a citação ou intimação prévia permitia que o executado
esvaziasse suas contas bancárias tornando infrutífero o ato de penhora.
4. Apreensão dos ativos financeiros e penhora
O novo dispositivo criou um ato constritivo prévio à penhora, o qual
denominou de apreensão de ativos financeiros que traz como vantagem o
fato de ser realizado sem dar ciência prévia ao executado. Essa
apreensão é feita na própria conta do executado sem transferência dos
valores para a conta do juízo. Há apenas um bloqueio do valor
apresentado pelo exequente no seu requerimento ou petição inicial e que
torna tal quantia indisponível. Tal ato somente será convolado em
penhora, e, assim poderá ser transferido em depositado em conta do juízo
depois da impugnação prevista no artigo 854, §3°.
Como a penhora
é conceituada como um ato de apreensão e depósito do bem do executado. O
que se fez foi isolar o momento da apreensão do momento do depósito.
5. Determinação da indisponibilidade
Com uma redação melhor do que a do artigo 655 do CPC de 1973, o artigo
854 do NCPC foi claro ao dizer que a comunicação do magistrado é para
determinar a indisponibilização da quantia no valor da execução e não
mais para, primeiro requisitar informações e depois proceder o bloqueio.
6. Indisponibilização excessiva cancelada de ofício
Enquanto a penhora de dinheiro deve ser requerida pelo exequente, a
eventual indisponibilização excessiva, se percebida pelo juiz, deve de
ofício ser cancelada nos limites do excesso nas 24 horas seguintes ao
bloqueio. Tal dispositivo é na verdade uma resposta contra a enorme
quantidade de situações que vem acontecendo na prática forense onde o
executado tem diversas contas bloqueadas em seu CPF superando o valor do
crédito exequendo e criando uma situação de enorme prejuízo para o
mesmo.
7. Intimação da apreensão dos ativos financeiros
Prevê o NCPC que deverá ser feita a intimação do executado deste ato de
apreensão. Esta intimação tanto pode ser através de seu advogado, quanto
pessoalmente.
É curioso notar que tratando-se de processo de
execução (título extrajudicial), e, considerando que este ato de
apreensão é feito sem a ciência do executado, é bem possível que ele nem
tenha sido citado da própria execução, mas já possa ser intimado da
referida apreensão. Nesta hipótese, será feito pessoalmente como admite o
art. 854, §2.
8. O momento da penhora
Rejeitada ou não
apresentada a manifestação do executado contra a apreensão de seus
ativos financeiros tem-se por imediatamente convolada a apreensão em
penhora propriamente dita, sem a necessidade de fazer um termo de
penhora formalizando o referido ato. Com a convolação, segue-se,
imediatamente (24hs seguintes) a transferência da quantia da conta do
executado para a conta do juízo.
9. Termo de penhora
Há
pouco mais de 1 ano a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em
decisão unanime reconheceu a legalidade do bloqueio de valores feito
pelo sistema Bacenjud sem a lavratura do termo de penhora. A discussão
havia porque o executado não tinha a segurança de quando iniciava seu
prazo para oferecimento da impugnação, nos termos do artigo 475-J do
CPC. No NCPC este problema não existirá e de fato é absolutamente
desnecessário o termo de penhora, pois o prazo para impugnação do
executado não se conta mais da penhora nos termos do artigo 523, §1º.
Assim, sendo intimado da apreensão dos seus ativos financeiros o
executado poderá atacar o referido ato por intermédio da míni impugnação
do artigo 854, §3º no tocante às matérias da indisponibilidade
excessiva e impenhorabilidade do valor apreendido.
10. A mini impugnação do artigo 854, §3º
Trata-se de modalidade de oposição do executado (cumprimento de
sentença ou processo de execução) que ataca o ato executivo de apreensão
de ativos financeiros. Esta modalidade de defesa é feita intra autos da
própria execução e tem limitação horizontal em relação ao conteúdo do
que pode ser alegado, ou seja, apenas a impenhorabilidade da quantia e a
indisponibilidade excessiva poderão servir de fundamento ao pedido
desconstitutivo do ato de apreensão. Também tem limitação da cognição
vertical porque só admite a prova documental (comprovar em cinco dias). O
prazo é de cinco dias e tem início da intimação do executado. Enquanto
não rejeitada a impugnação ou expirado o prazo para oferece-la não pode
acontecer a conversão da apreensão em penhora e o dinheiro permanece na
conta do executado.
11. Indisponibilidade excessiva X excesso de execução
No inciso II do §3º do artigo 854 diz o legislador que na sua
impugnação o executado deve comprovar em cinco dias que “ainda
remanesce indisponibilidade excessiva de ativos financeiros”. A
expressão “ainda remanesce” foi utilizada porque já deveria o magistrado
fazer o controle inicial, antes mesmo de o executado ser intimado, de
que a indisponibilidade teria sido em desacordo com o valor da execução.
A indisponibilidade é excessiva em relação ao valor pretendido na
execução (cumprimento de sentença ou processo de execução). Uma coisa é
indisponibilidade excessiva outra coisa é o excesso de execução. Apenas a
primeira que pode ser alegada nesta impugnação, pois o excesso de
execução só mesmo na oposição padrão do Código (impugnação do executado
ou embargos à execução). É no contraste do requerimento inicial do
cumprimento de sentença ou da petição inicial do processo de execução
que deve acontecer contraste com o valor apreendido para verificação do
suposto excesso.
12. Impenhorabilidade
Nos termos do artigo 833, IV, são impenhoráveis:
IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as
remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e
os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de
terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos
de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal,
ressalvado o § 2o;
Segundo o §2º do mesmo dispositivo tem-se que:
§ 2o O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de
penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de
sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta)
salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no
art. 528, § 8o, e no art. 529, § 3o.
Deve o executado demonstrar
que o dinheiro apreendido insere-se em alguma das hipóteses do inciso
IV, e, por outro lago que estão afastadas as situações do parágrafo
segundo.
13. Prazo para embargar e impugnar à execução e prazo para impugnar o ato de apreensão
Pode acontecer de o executado ter sido citado para o processo de
execução quando esteja em curso o prazo para que ele se manifeste sobre a
apreensão da quantia. Igualmente, pode ter sido intimado para pagar a
quantia nos quinze dias do artigo 523, §3º e tenha que impugnar a
apreensão.
14. Preclusão da impugnação e alegação da mesma matéria em oposição (embargos ou impugnação do executado)
Tanto os embargos quanto a impugnação preveem como fundamento da
defesa/ação a penhora incorreta e/ou avaliação errônea. É incorreta a
penhora feita em quantia maior do que a que foi pretendida na execução
(indisponibilidade excessiva) e também é incorreta a penhora de bem
impenhorável. Por se tratar de matéria de ordem pública pode o executado
alegar tais matérias nos seus embargos ou na impugnação. A apreensão
dos valores só se transformou em penhora após a rejeição ou o fim in
albis do prazo da impugnação do artigo 854, §3º.
15. Apreensão, penhora e prazo dos embargos de terceiro
Segundo o artigo 675 do CPC:
Os embargos podem ser opostos a qualquer tempo no processo de
conhecimento enquanto não transitada em julgado a sentença e, no
cumprimento de sentença ou no processo de execução, até 5 (cinco) dias
depois da adjudicação, da alienação por iniciativa particular ou da
arrematação, mas sempre antes da assinatura da respectiva carta.
O
STJ, novamente pela sua 3ª Câmara, decidiu que o termo inicial para
apresentação de embargos de terceiro “em processo em fase de execução,
com penhora online de valores, é de cinco dias a contar da colocação do
dinheiro à disposição do credor, que ocorre com a autorização de
expedição de alvará ou de mandado de levantamento” (Resp 1298780).
Segundo o relator “como na penhora eletrônica não há arrematação,
adjudicação ou remição, o artigo deve ser interpretado de maneira que o
termo inicial seja a data em que o embargante teve a ciência inequívoca
da efetiva turbação da posse de seus bens por ato de apreensão
judicial“. Em nosso sentir a ciência inequívoca para início da contagem
do prazo deveria ser a apreensão do dinheiro na referida conta, ou, na
pior das hipóteses quando o dinheiro sai da conta do terceiro
indevidamente esbulhado e destina-se à conta do juízo.
16.
Cancelamento da apreensão indevida (indisponibilidade excessiva ou
quantia impenhorável) e responsabilidade da instituição financeira
O cancelamento da apreensão indevida deve se dar com a mesma lepidez
com que é feita a apreensão, pois, é certo que causa um enorme
transtorno à vida do executado, que, inclusive, poderá requerer, desde
que devidamente comprovado, o ressarcimento pelos eventuais prejuízos
gerados pela medida constritiva indevida. O cancelamento pode ser feito
de oficio, pode ser feito por provocação do executado em impugnação do
artigo 854, §3º ou em oposição padrão do CPC (embargos ou impugnação).
Acolhida qualquer das arguições dos incisos I e II do § 3o, o juiz
determinará o cancelamento de eventual indisponibilidade irregular ou
excessiva, a ser cumprido pela instituição financeira em 24 (vinte e
quatro) horas. Segundo o §8º:
A instituição financeira será
responsável pelos prejuízos causados ao executado em decorrência da
indisponibilidade de ativos financeiros em valor superior ao indicado na
execução ou pelo juiz, bem como na hipótese de não cancelamento da
indisponibilidade no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, quando assim
determinar o juiz.
17. Penhora de faturamento de empresa
Corretamente o 655, §3º foi deslocado para outro dispositivo no novo
CPC. A penhora de faturamento da empresa encontra-se no artigo 866 do
NCPC. Trata-se de caso de impenhorabilidade relativa, como diz o caput
do dispositivo e é recheado de cautelas porque é medida muito drástica
que tem enorme afetação social. Não é e nem deveria estar na penhora de
dinheiro como constava no CPC revogado
18. Penhora de dinheiro e partidos políticos
Diz a regra do artigo 854, §9º:
§ 9o Quando se tratar de execução contra partido político, o juiz, a
requerimento do exequente, determinará às instituições financeiras, por
meio de sistema eletrônico gerido por autoridade supervisora do sistema
bancário, que tornem indisponíveis ativos financeiros somente em nome do
órgão partidário que tenha contraído a dívida executada ou que tenha
dado causa à violação de direito ou ao dano, ao qual cabe exclusivamente
a responsabilidade pelos atos praticados, na forma da lei.
Em
relação ao tema o novo CPC tratou melhor a restrição que antes estava
contida no parágrafo quarto. É que o legislador antes mencionava a
obediência ao artigo 15-A da lei dos partidos políticos, que isolava a
responsabilidade dos partidos segundos os atos ilícitos práticos pelos
órgãos de direção nacional, regional e municipal. Agora, a restrição, ao
nosso ver descabida no artigo 15-A, não consta do CPC porque o partido é
uno no seu registro perante o TSE e como tal deve responder pelos
ilícitos. Exclui a responsabilidade do partido coligado, nos casos de
coligações, ou seja, se partido x está coligado com o partido y e deste é
o ilícito, o fato de estarem coligados não solidária o primeiro com o
segundo, pois a coligação só se justifica para fins eleitorais.