quinta-feira, 1 de setembro de 2016

A penhora eletrônica de dinheiro no NCPC



A penhora eletrônica de dinheiro no NCPC – 

1. Localização do dispositivo

A penhora de ativos financeiros localizava-se no artigo 655 do CPC de 1973 e agora situa-se no artigo 854 do NCPC. Ambos os dispositivos estão inseridos na parte do Código destinada ao Processo de Execução e precisamente no capitulo destinado a execução por quantia certa contra devedor solvente.


Contudo, enquanto o artigo 655 estava inserido na Subseção II, intitulada de da citação do devedor e indicação de bens, artigo 854 está inserto na Subseção V que é intitulada de da Penhora de Dinheiro em Depósito ou em Aplicação Financeira. Neste particular, é melhor o NCPC porque o tema em tela não se refere nem a citação e nem a indicação de bens a serem penhorados, mas, precisamente, da penhora propriamente dita.

2. Requerimento do exequente

O legislador perdeu excelente oportunidade de retirar a expressão a requerimento do exequente constante do dispositivo revogado. Foi mantida a expressão e em nosso sentir esta é uma posição de retrocesso tendo em vista que o dinheiro é o primeiro bem na ordem preferencial da execução por quantia (art. 835, I) e esta é a forma típica de se proceder a penhora de ativos financeiros do executado, já que a instituição financeira é o local onde se depositam os referidos valores. É preciso que o legislador enxergue a atividade executiva como atividade pública onde o Estado tem o dever de outorgar a tutela em favor do exequente. 
Tendo sido provocado a satisfazer a norma jurídica concreta revelada no título executivo, é dever do Estado prestar a tutela jurisdicional.

3. Sem dar ciência previa do ato ao executado

Esta foi uma inovação importantíssima que não constava no texto do artigo 655 do CPC de 1973. Agora, diz o artigo 854 que o ato de apreensão online dos ativos financeiros serão realizados sem a ciência prévia do executado. Assim, antes mesmo de proceder a citação do executado (no processo de execução) ou a sua intimação (no cumprimento de sentença) proceder-se-á a realização do ato de apreensão dos ativos financeiros pela forma descrita no dispositivo. A inovação é importante pois normalmente a citação ou intimação prévia permitia que o executado esvaziasse suas contas bancárias tornando infrutífero o ato de penhora.

4. Apreensão dos ativos financeiros e penhora

O novo dispositivo criou um ato constritivo prévio à penhora, o qual denominou de apreensão de ativos financeiros que traz como vantagem o fato de ser realizado sem dar ciência prévia ao executado. Essa apreensão é feita na própria conta do executado sem transferência dos valores para a conta do juízo. Há apenas um bloqueio do valor apresentado pelo exequente no seu requerimento ou petição inicial e que torna tal quantia indisponível. Tal ato somente será convolado em penhora, e, assim poderá ser transferido em depositado em conta do juízo depois da impugnação prevista no artigo 854, §3°.
Como a penhora é conceituada como um ato de apreensão e depósito do bem do executado. O que se fez foi isolar o momento da apreensão do momento do depósito.

5. Determinação da indisponibilidade

Com uma redação melhor do que a do artigo 655 do CPC de 1973, o artigo 854 do NCPC foi claro ao dizer que a comunicação do magistrado é para determinar a indisponibilização da quantia no valor da execução e não mais para, primeiro requisitar informações e depois proceder o bloqueio.
6. Indisponibilização excessiva cancelada de ofício
Enquanto a penhora de dinheiro deve ser requerida pelo exequente, a eventual indisponibilização excessiva, se percebida pelo juiz, deve de ofício ser cancelada nos limites do excesso nas 24 horas seguintes ao bloqueio. Tal dispositivo é na verdade uma resposta contra a enorme quantidade de situações que vem acontecendo na prática forense onde o executado tem diversas contas bloqueadas em seu CPF superando o valor do crédito exequendo e criando uma situação de enorme prejuízo para o mesmo.

7. Intimação da apreensão dos ativos financeiros

Prevê o NCPC que deverá ser feita a intimação do executado deste ato de apreensão. Esta intimação tanto pode ser através de seu advogado, quanto pessoalmente.
É curioso notar que tratando-se de processo de execução (título extrajudicial), e, considerando que este ato de apreensão é feito sem a ciência do executado, é bem possível que ele nem tenha sido citado da própria execução, mas já possa ser intimado da referida apreensão. Nesta hipótese, será feito pessoalmente como admite o art. 854, §2.

8. O momento da penhora

Rejeitada ou não apresentada a manifestação do executado contra a apreensão de seus ativos financeiros tem-se por imediatamente convolada a apreensão em penhora propriamente dita, sem a necessidade de fazer um termo de penhora formalizando o referido ato. Com a convolação, segue-se, imediatamente (24hs seguintes) a transferência da quantia da conta do executado para a conta do juízo.

9. Termo de penhora

Há pouco mais de 1 ano a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em decisão unanime reconheceu a legalidade do bloqueio de valores feito pelo sistema Bacenjud sem a lavratura do termo de penhora. A discussão havia porque o executado não tinha a segurança de quando iniciava seu prazo para oferecimento da impugnação, nos termos do artigo 475-J do CPC. No NCPC este problema não existirá e de fato é absolutamente desnecessário o termo de penhora, pois o prazo para impugnação do executado não se conta mais da penhora nos termos do artigo 523, §1º. Assim, sendo intimado da apreensão dos seus ativos financeiros o executado poderá atacar o referido ato por intermédio da míni impugnação do artigo 854, §3º no tocante às matérias da indisponibilidade excessiva e impenhorabilidade do valor apreendido.

10. A mini impugnação do artigo 854, §3º

Trata-se de modalidade de oposição do executado (cumprimento de sentença ou processo de execução) que ataca o ato executivo de apreensão de ativos financeiros. Esta modalidade de defesa é feita intra autos da própria execução e tem limitação horizontal em relação ao conteúdo do que pode ser alegado, ou seja, apenas a impenhorabilidade da quantia e a indisponibilidade excessiva poderão servir de fundamento ao pedido desconstitutivo do ato de apreensão. Também tem limitação da cognição vertical porque só admite a prova documental (comprovar em cinco dias). O prazo é de cinco dias e tem início da intimação do executado. Enquanto não rejeitada a impugnação ou expirado o prazo para oferece-la não pode acontecer a conversão da apreensão em penhora e o dinheiro permanece na conta do executado.

11. Indisponibilidade excessiva X excesso de execução

No inciso II do §3º do artigo 854 diz o legislador que na sua impugnação o executado deve comprovar em cinco dias que “ainda remanesce indisponibilidade excessiva de ativos financeiros”. A expressão “ainda remanesce” foi utilizada porque já deveria o magistrado fazer o controle inicial, antes mesmo de o executado ser intimado, de que a indisponibilidade teria sido em desacordo com o valor da execução.
A indisponibilidade é excessiva em relação ao valor pretendido na execução (cumprimento de sentença ou processo de execução). Uma coisa é indisponibilidade excessiva outra coisa é o excesso de execução. Apenas a primeira que pode ser alegada nesta impugnação, pois o excesso de execução só mesmo na oposição padrão do Código (impugnação do executado ou embargos à execução). É no contraste do requerimento inicial do cumprimento de sentença ou da petição inicial do processo de execução que deve acontecer contraste com o valor apreendido para verificação do suposto excesso.

12. Impenhorabilidade

Nos termos do artigo 833, IV, são impenhoráveis:
IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2o;
Segundo o §2º do mesmo dispositivo tem-se que:
§ 2o O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8o, e no art. 529, § 3o.
Deve o executado demonstrar que o dinheiro apreendido insere-se em alguma das hipóteses do inciso IV, e, por outro lago que estão afastadas as situações do parágrafo segundo.

13. Prazo para embargar e impugnar à execução e prazo para impugnar o ato de apreensão

Pode acontecer de o executado ter sido citado para o processo de execução quando esteja em curso o prazo para que ele se manifeste sobre a apreensão da quantia. Igualmente, pode ter sido intimado para pagar a quantia nos quinze dias do artigo 523, §3º e tenha que impugnar a apreensão.
14. Preclusão da impugnação e alegação da mesma matéria em oposição (embargos ou impugnação do executado)
Tanto os embargos quanto a impugnação preveem como fundamento da defesa/ação a penhora incorreta e/ou avaliação errônea. É incorreta a penhora feita em quantia maior do que a que foi pretendida na execução (indisponibilidade excessiva) e também é incorreta a penhora de bem impenhorável. Por se tratar de matéria de ordem pública pode o executado alegar tais matérias nos seus embargos ou na impugnação. A apreensão dos valores só se transformou em penhora após a rejeição ou o fim in albis do prazo da impugnação do artigo 854, §3º.

15. Apreensão, penhora e prazo dos embargos de terceiro

Segundo o artigo 675 do CPC:
Os embargos podem ser opostos a qualquer tempo no processo de conhecimento enquanto não transitada em julgado a sentença e, no cumprimento de sentença ou no processo de execução, até 5 (cinco) dias depois da adjudicação, da alienação por iniciativa particular ou da arrematação, mas sempre antes da assinatura da respectiva carta.
O STJ, novamente pela sua 3ª Câmara, decidiu que o termo inicial para apresentação de embargos de terceiro “em processo em fase de execução, com penhora online de valores, é de cinco dias a contar da colocação do dinheiro à disposição do credor, que ocorre com a autorização de expedição de alvará ou de mandado de levantamento” (Resp 1298780). Segundo o relator “como na penhora eletrônica não há arrematação, adjudicação ou remição, o artigo deve ser interpretado de maneira que o termo inicial seja a data em que o embargante teve a ciência inequívoca da efetiva turbação da posse de seus bens por ato de apreensão judicial“. Em nosso sentir a ciência inequívoca para início da contagem do prazo deveria ser a apreensão do dinheiro na referida conta, ou, na pior das hipóteses quando o dinheiro sai da conta do terceiro indevidamente esbulhado e destina-se à conta do juízo.

16. Cancelamento da apreensão indevida (indisponibilidade excessiva ou quantia impenhorável) e responsabilidade da instituição financeira

O cancelamento da apreensão indevida deve se dar com a mesma lepidez com que é feita a apreensão, pois, é certo que causa um enorme transtorno à vida do executado, que, inclusive, poderá requerer, desde que devidamente comprovado, o ressarcimento pelos eventuais prejuízos gerados pela medida constritiva indevida. O cancelamento pode ser feito de oficio, pode ser feito por provocação do executado em impugnação do artigo 854, §3º ou em oposição padrão do CPC (embargos ou impugnação). Acolhida qualquer das arguições dos incisos I e II do § 3o, o juiz determinará o cancelamento de eventual indisponibilidade irregular ou excessiva, a ser cumprido pela instituição financeira em 24 (vinte e quatro) horas. Segundo o §8º:
A instituição financeira será responsável pelos prejuízos causados ao executado em decorrência da indisponibilidade de ativos financeiros em valor superior ao indicado na execução ou pelo juiz, bem como na hipótese de não cancelamento da indisponibilidade no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, quando assim determinar o juiz.

17. Penhora de faturamento de empresa

Corretamente o 655, §3º foi deslocado para outro dispositivo no novo CPC. A penhora de faturamento da empresa encontra-se no artigo 866 do NCPC. Trata-se de caso de impenhorabilidade relativa, como diz o caput do dispositivo e é recheado de cautelas porque é medida muito drástica que tem enorme afetação social. Não é e nem deveria estar na penhora de dinheiro como constava no CPC revogado

18. Penhora de dinheiro e partidos políticos

Diz a regra do artigo 854, §9º:
§ 9o Quando se tratar de execução contra partido político, o juiz, a requerimento do exequente, determinará às instituições financeiras, por meio de sistema eletrônico gerido por autoridade supervisora do sistema bancário, que tornem indisponíveis ativos financeiros somente em nome do órgão partidário que tenha contraído a dívida executada ou que tenha dado causa à violação de direito ou ao dano, ao qual cabe exclusivamente a responsabilidade pelos atos praticados, na forma da lei.
Em relação ao tema o novo CPC tratou melhor a restrição que antes estava contida no parágrafo quarto. É que o legislador antes mencionava a obediência ao artigo 15-A da lei dos partidos políticos, que isolava a responsabilidade dos partidos segundos os atos ilícitos práticos pelos órgãos de direção nacional, regional e municipal. Agora, a restrição, ao nosso ver descabida no artigo 15-A, não consta do CPC porque o partido é uno no seu registro perante o TSE e como tal deve responder pelos ilícitos. Exclui a responsabilidade do partido coligado, nos casos de coligações, ou seja, se partido x está coligado com o partido y e deste é o ilícito, o fato de estarem coligados não solidária o primeiro com o segundo, pois a coligação só se justifica para fins eleitorais.

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